O abrasamento da memória: uma conflagração real e metafórica

Autores

  • Raiany Eduarda Silva
  • Paulo Cezar Nunes Junior

DOI:

https://doi.org/10.29327/1307153.1-8

Palavras-chave:

fogo, imagens, instituições de memória, memória

Resumo

Tendo como alicerce os estudos de Aby Warburg, Susan Sontag e Phillipe Dubois acerca da leitura das imagens, nos quais estas são compreendidas como mecanismo útil ao diálogo transversal na - e para a - sociedade, o presente trabalho utiliza-se, principalmente, da indicialidade e da sobreposição de imagens para a apresentação de fotografias P&B como uma coleção de memórias e eventos, onde brasas e cinzas são relacionados à luz e sombras, revelando o vínculo entre o que é lembrado e o que é, deliberadamente, esquecido. Tal narrativa imagética é composta, sobretudo, pelos incêndios ocorridos na principal instituição de preservação do patrimônio audiovisual e cinematográfico brasileiro: a Cinemateca Brasileira. A entidade em questão, bem como as demais instituições culturais, estão à deriva no que tange a conservação e a manutenção de seus acervos. O estudo de sua trajetória confirma o que a prancha expõe: que a falta de clareza do processo de gestão da cultura no país é sintomática, resulta na conflagração real e metafórica da memória: enquanto a primeira relaciona-se aos incêndios, a segunda diz respeito à conturbação no imaginário sociocultural. A ausência de um ministério, de recursos específicos e de um fundo de financiamento do patrimônio revela uma governança da cultura do Brasil que é, sobretudo, negligente. A imobilização do aparato governamental é corroborada pelo descaso com o armazenamento dos acervos. No que diz respeito aos rolos de filmes de nitrato e acetato armazenados pela Cinemateca Brasileira, tal abandono é percebido quando os filmes, em oposição a sua relevância para a preservação da memória e como estopim para uma transformação revolucionária na sociedade, configuram-se também como bomba capaz de queimar a própria memória, o que se dá em razão da ausência do cuidado para com sua proteção e preservação. Ademais, através da permanência das fachadas das instituições de memória enquanto os acervos são destruídos evidenciam que a crise de memória do Brasil é escondida sob o retrato imaculado de uma conduta governamental que incendeia a memória e ainda assim tenta ocultar a perda resultante dos incêndios que atingem as instituições. Nesse sentido, o fogo deve surgir como elemento transformador que promova a cobrança acerca de políticas públicas para a preservação da identidade brasileira. Assim, na prancha analisada, a claridade apresentada pelo fogo atrai a visão do leitor, é índice que torna conhecidas as conflagrações das instituições brasileiras, expõe a efemeridade da história e da cultura e revela o descaso para com a memória nacional, vide as instituições marginalizadas pelo governo. É nesse viés, que se faz útil a compreensão de que a cobrança de ações governamentais é fundamental para a preservação e conservação da identidade brasileira. É nisto que essa pesquisa se justifica: na intenção de soprar a brasa de cada leitor, para que se acenda a chama de um fogo de reconstrução e transformação da cultura enquanto força que impulsiona a humanidade.

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Publicado

20.12.2023